segunda-feira, 29 de junho de 2015

Anotação aleatória

Sinto que estou próximo a mais um daqueles momentos onde minha mente parece transbordar e é preciso encontrar uma válvula de escape para dispersar todo esse turbilhão, que, se não direcionado a algo, pode acabar por incomodar ainda mais. No entanto, não me incomodo com esse ímpeto profundo, que sempre se acumula em mim e exige um ato que prometa sanar alguma carência profunda da nossa mentalidade, muito pelo contrário, gosto dele; ele impulsiona tentativas, jogos, decisões, e isso é bom, satisfazer a necessidade mais profunda da existência não é o suficiente para mim.
Por fim, deixo-me enganar; crio uma alma para mim, e jogo, e brinco, e me divirto, e experimento, e arrisco, geralmente faço todas essas coisas ao mesmo tempo, é interessante. Mas, mesmo nesse meu ambiente extremamente consciente, às vezes me surpreendo; quase sempre essa surpresa ocorre pelo fato de eu ver alguém realmente levando algo a sério; quando me deparo com isso, fico me perguntando: “ Será que essa pessoa não conhece as coisas de verdade?” “Por que ela leva tudo tão a sério?” Não perco muito tempo com esses pensamentos, uma breve observação torna evidente o quanto essas pessoas, que me assustam, são ignorantes e cegas; sem possuírem a capacidade de pensar por si próprias elas perseguem ideais inalcançáveis, elas estão sempre se distraindo, correndo atrás de algo e evitando, a todo custo, qualquer momento de reflexão, por menor que seja. Sem questionarem nada, sem realmente entender nada, essas pessoas vagam cegas pela vida, criando almas diminutas, imutáveis e inquestionáveis, o que faz com que o verdadeiro desejo da mente permaneça ainda mais distante, ainda mais inalcançável. Essa distância absurda, entre aquilo que somos e aquilo que realmente queremos, faz com que as pessoas se sintam extremamente impulsionadas a fazer algo para alterar essa sua condição, faz com que elas se sintam cheias de energia, e prontas para direcionarem essa energia para alguma atividade, para alguma válvula de escape que prometa sanar o nosso desejo mais profundo. Ver essas pessoas traçarem objetivos e se arriscarem em empreitadas e tentativas intermináveis me incomoda; uma vida inexplorada e em completa ignorância sempre me incomodou, e muito.
Entretanto, não me revolto por completo com essas pessoas, que infelizmente são a maioria daqueles que encontro no dia-a-dia, pois, até mesmo eu, com o auxílio de todo o meu conhecimento, às vezes não consigo estabelecer uma meta que me incentive a agir. Meu mundo despreocupado é perfeito, ele se aproxima da realidade, mas não quero viver como um asceta, que abandona o mundo estruturado pelos seres humanos e vive encerrado em meio ao seu êxtase absoluto, em meio ao seu conhecimento perfeito e abrangente; esse tipo de existência asceta é absurdamente apática, é absurdamente estática. Eu sei que nada realmente importa, mas é preciso que ampliemos o nosso conhecimento, ampliemos nossas experiências, e para que isso ocorra é preciso que arrisquemos de verdade, e para arriscarmos de verdade é preciso que nos iludamos, é preciso que acreditemos que aquilo a que nos propomos fazer irá realmente proporcionar o que a nossa mente realmente almeja. É nesse tipo de ilusão construtiva que me proponho a brincar de vez em quando, mas que às vezes não sou capaz.
Não sei ao certo qual é o motivo dessa minha incapacidade; sei que não é preguiça, nem medo de perder tempo com algo — a muito já deixei de sentir isso, e foi uma longa jornada até que eu me desvencilhasse desse medo de perder tempo e do afunilamento da vida —; o que ocorre é um pouco mais complexo: a minha imaginação, por mais poderosa que me pareça ser, às vezes não consegue instaurar os motivos certos, que me incitem a dedicar-me a alguma tarefa em específico.
Não é sempre que essa incapacidade ocorre, para falar a verdade, ela é um tanto incomum. Antigamente, a incapacidade de me dedicar a um ideal criado por mim era ainda mais recorrente, sendo praticamente constante; naquela época eu poderia me surpreender se me dedicasse a alguma atividade que eu realmente desejasse. Felizmente, tudo mudou quando consegui identificar uma estrutura psíquica destrutiva, que me incitava a agir, quase que desesperadamente. Talvez, essa minha classificação pareça estranha, mas ela é mais simples do que parece; Jung caracteriza-a como sendo a sombra, como sendo uma condição absurda que proporciona uma quantidade absurda de ímpeto e energia; a sombra pode ser considerada um momento de desespero extremo, onde aquilo que mais importa para nós está prestes a ser aniquilado, e, perante a destruição da nossa representação do mundo, arriscamo-nos sem pudor, sem receios, para que possamos salvar aquilo que para nós é importante. Após identificar a minha sombra, passei a utilizá-la constantemente, com o intuito de me dedicar aos objetivos que eu propunha para mim.
Outro aspecto que facilitava a definição de qualquer objetivo era a ausência de arquétipos; por não possuir um ideal, eu me sentia cheio de energia, cheio de vontade — em alguns momentos essa vontade chegava a ser assustadora, por causa de sua potência e a falta de um ideal que amenizasse toda essa potência violenta —; sem objetivos pré-estabelecidos, tornei-me capaz de direcionar minha vontade para onde eu bem entendesse, sem que para isso fosse preciso me desvencilhar de uma estrutura, de uma forma de me posicionar perante o mundo, tarefa que exigiria muito, muito mesmo, de mim. Talvez, desvencilharmo-nos de um arquétipo seja uma das tarefas mais complicadas que existem, mas após realizada nosso conhecimento e controle sobre o intelecto se tornam absurdamente desenvolvidos.
Todas essas características me proporcionaram habilidades incríveis; todo o meu conhecimento, conquistado com muito sangue e suor, permitia que eu enxergasse o mundo e a vida de forma abrangente, da forma mais próxima daquilo que as coisas realmente são, sem que me sentisse oprimido perante tantas possibilidades, tanto vazio, tantas dúvidas, tantas impressões.

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