segunda-feira, 8 de junho de 2015

Quarta-feira à tarde

Sentei na beirada da cama e a olhava pentear o cabelo. Ela estava sentada em um banquinho almofadado, de costas para mim, e se olhava no grandioso espelho da prateleira, enquanto passava, vagarosamente, a escova pelos longos fios de cabelo. Aquela atividade despretensiosa, que evidenciava ainda mais o alheamento dela perante o mundo à sua volta, parecia assumir características mecânicas, adquirindo um ritmo contínuo; nesse contexto a atividade que era executada parecia perder ainda mais a importância, tornando-se algo supérfluo, que poderia ser caracterizado como uma ação inconsciente, que era efetuada por impulso, enquanto a verdadeira atividade, que realmente interessava à menina que penteava o cabelo, permanecia oculta, imperscrutável.
Eu permaneci olhando-a, hipnotizado. Em cima do espelho da penteadeira, havia uma lâmpada mais potente que a do cômodo em que estávamos, ela fazia com que aquele cabelo, que estava sendo penteado, assumisse um brilho incomum, lindo. Era impossível desviar o olhar. De repente, o pente não mais deslizou, graciosamente, pelo cabelo castanho escuro; eu me assustei com aquela alteração brusca no movimento que estava sendo executado, e, como que saindo de um estado hipnótico, percebi que ela me olhava pelo espelho. Também a olhei pelo espelho; ficamos em silêncio, olhando-nos por um tempo, de forma indireta, mas não menos intensa. Pareceu-me que o tempo havia parado, juro que não me é possível relatar quanto tempo permanecemos nos olhando. Fui resgatado de minha condição contemplativa pela pergunta que ela me fez:
— Você dá muita importância à aparência?
Fiquei assustado com a pergunta, e tentei me atentar à expressão que ela manteve enquanto pronunciava aquelas palavras. Mesmo olhando, anteriormente, para o seu rosto, consegui perceber sua expressão facial apenas no final da pergunta; não sei o que eu estava olhando antes para não me atentar à maneira como ela se portava enquanto se dirigia a mim; definitivamente, meus olhos estavam focados no reflexo do seu rosto, mas minha mente estava ausente, em devaneios profundos... Mesmo me atentando para sua expressão apenas no final da pergunta, pude perceber que era um questionamento próprio, que foi exposto de forma espontânea. Ela aguardava ansiosa a minha resposta. Percebi que aquela era uma pergunta que ela fazia para poucos e que realmente significava algo, podendo ser caracterizada como uma importante forma de avaliação daqueles com quem ela interagia; não sei o que me fez chegar a essa conclusão, acho que foi a forma como ela ficou me olhando, enquanto apoiava o pente em sua perna, interrompendo por completo a atividade que tanto lhe agradava anteriormente; essa pausa repentina salientava ainda mais a importância da pergunta.
Tive dificuldade para expressar minha maneira de pensar, ainda mais com aquele olhar penetrante que ela mantinha em direção aos meus olhos. Desviei meu olhar e o mantive, em um primeiro momento, na porta do guardarroupa, o que me possibilitou formular minha resposta com calma.
— Eu não dou importância nenhuma, e é engraçado, levando em consideração os valores de mundo atuais, que supervalorizam a aparência, o físico, as roupas — após esse início me senti mais confiante, e voltei a olhá-la nos olhos. — Eu acho as pessoas sempre tão iguais, mas, em raras exceções, parece que uma pessoa é capaz de suscitar um “não sei o que”; algo como que uma força, que emerge sei lá de onde. Quando isso ocorre, essa pessoa passa a ser bonita, ela se destaca das demais, e o brilho em seus olhos a torna única, inconfundível.
        Após minha resposta permanecemos em silêncio, contemplando-nos. Pelo modo como seu rosto se iluminou, pude perceber que compartilhávamos a mesma concepção sobre a beleza. Nossa interação ficava cada vez mais abrangente. Nós — que nunca tínhamos experimentado nada do tipo — aproveitávamos cada momento em que podíamos travar conhecimento, mas sempre mantendo um ritmo cadenciado, para que pudéssemos aproveitar ao máximo cada momento.

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