segunda-feira, 10 de agosto de 2015

As reuniões

 

            Ele não se importava nem um pouco consigo mesmo; sem vaidade, sem objetivos egoístas e sem uma alma estreita e imutável ele vagava pela vida. Seu olhar evidenciava, prontamente, toda a sua singularidade incomum, rara. Sua capacidade de observação era incrivelmente abrangente e exata, permitindo-o perscrutar profundamente os assuntos aos quais direcionava sua atenção, características essas que o permitiam compreender muito mais do que o normal.
            Seus diagnósticos precisos, dignos de alguém que enxerga mais e melhor, eram valorizados por todos. Aqueles que constantemente pediam conselhos para ele, diziam presenciar o funcionamento de uma mentalidade totalmente diferente de tudo que eles já tinham visto.
“Esse homem raro não possui ideais, nem parâmetros pré-definidos, nem uma alma exata, nem mecanismos de proteção. Com certeza esses são os motivos que o permite enxergar mais e melhor.” Era o que as pessoas mais observadoras e inteligentes comentavam. Em alguns casos, também raros, seres observadores, inteligentes e corajosos tinham contato com o ser incomum, e suas impressões eram, mais ou menos, essas: “Como pode ele pulverizar todos os ideais, eliminar todo tipo de ópio da existência e ainda viver em completa paz, sem demonstrar nenhum resquício de desespero, de dor profunda? Quais serão os seus segredos? Qual será a sua maneira de pensar, que o permite ser tão perfeito?”
Essas perguntas inquietavam as pessoas mais evoluídas, fazendo com que elas se reunissem e discutissem sobre a forma de ser daquele ser raro.
Nessas reuniões, que a princípio ocorriam esporadicamente, os integrantes contavam com algumas informações para serem analisadas. Os participantes mais entusiasmados haviam pedido para o homem raro que lhes explicasse como ele era capaz de ser tão perfeito. Atendendo aos pedidos que lhe eram feitos, o homem raro tentou explicar sua forma de pensar, sua forma de ser, mas essa tarefa foi ineficiente; suas características eram muito incomuns, o que impediu que seus ouvintes fossem capazes de assimilar alguma informação. Então, percebendo a ineficiência de suas descrições, o homem raro se propôs a escrever, de forma detalhada, sobre suas características psicológicas e seus conceitos.
Os escritos eram recolhidos uma vez por semana e eram analisados, contando com a colaboração do maior número possível de pessoas que poderiam contribuir intelectualmente, nas reuniões, que passaram a ocorrer regularmente, sempre sendo marcadas após o recebimento de um novo escrito. Especialistas em todas as áreas tentavam entender as características que tornavam aquele homem incomum.
Mesmo contando com a ajuda das mais variadas mentalidades, as reuniões se mostraram improdutivas. As pessoas obtinham poucas informações dos escritos, e isso frustrou todos que se empenhavam para desvendar os mistérios mais profundos da existência.
Por fim, eles determinaram que o homem incomum não possuía alma, ou, melhor dizendo, não possuía um ego que representava nada além do que ele mesmo. Eles também determinaram que a mente do homem raro possuía uma força incomum, permitindo-o reconstruir seu espírito a todo o momento, sem que essa característica, que é assustadora e exaustiva para a maioria das pessoas, o incomodasse ou consumisse por completo suas forças. Eles determinaram, também, que as construções do espírito, que eram constantes, não eram capciosas ou direcionadas para alguma crença, elas simplesmente interpretavam, de modo fidedigno, as impressões, as sensações.
A pequena quantidade de definições frustrava todos os integrantes das reuniões, que possuíam 800 páginas de escritos, das quais não conseguiam compreender praticamente nada.

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