segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Flutuante

            Ela direcionou o seu olhar vazio na direção do homem que parecia estar se sentindo entediado. Rodeada por pessoas que se esforçavam muito para manterem semblantes alegres e simpáticos, ela ficou espantada quando viu aquela expressão que demonstrava tédio, que não se preocupava com o que pensariam as pessoas à sua volta, que não se esforçava para simular qualquer tipo de expressão facial que demonstrasse satisfação, interesse.
               Sem conseguir deixar de prestar atenção nele, ela se ausentou das conversas dos seus amigos e se concentrou para ser capaz de observar todos os gestos daquele homem indiferente, com o intuito de entende-lo, de decifrá-lo.
            Mesmo se desvencilhando de qualquer coisa à sua volta que pudesse distraí-la de sua empreitada, ela não foi capaz de deduzir nada sobre o homem que ela observava. Os inúteis quinze minutos de observação — tempo esse que passou rápido e apenas deixou a impressão de um breve momento — só serviram para deixá-la ainda mais curiosa, mais apreensiva, ansiosa para descobrir a mentalidade daquele homem entediado e de olhar vazio. Mesmo se sentindo hipnotizada pelos gestos intensos e despreocupados dele, ela se esforçou para abandonar aquela observação intensa e se concentrou em tentar encontrar uma forma de falar com aquele homem, de tentar ter uma interação mais eficiente com ele, que a permitiria entendê-lo.
            Naquele momento, enquanto tentava imaginar a melhor possibilidade que a permitiria falar com ele, ela percebeu um princípio de construção de um ideal, característica essa que ela tanto repugnava e que se esforçava para ser capaz de controlar. Sentindo sua mente começar a criar perspectivas exageradas, ela se esforçou ainda mais para elaborar uma maneira de conversar com aquele homem e eliminar, já no início, aquela construção exagerada, que, inconscientemente, a mente dela sempre fazia.
            Após alguns pensamentos improdutivos, ela viu o homem se levantar e ir em direção ao banheiro. Sentindo-se incapaz de formular algo mais elaborado, ela decidiu iniciar uma conversa quando o homem saísse do banheiro. Com o intuito de realizar aquilo à que ela havia se propôs, direcionou seu olhar para a saída do banheiro masculino, enquanto se ajeitava de acordo com a melhor maneira de se levantar rapidamente e sair de onde estava, para conseguir conversar com aquele que ela já começava a valorizar exageradamente, antes que ele chegasse até a mesa onde estava sentado.
            Enquanto olhava ansiosamente para a porta do banheiro, ela não conseguia evitar olhar constantemente para o relógio, para ter uma noção de quanto tempo fazia que aquele homem havia entrado, o que a permitiria possuir um parâmetro com o qual poderia fazer uma estimativa, um tanto imprecisa, do momento em que ele iria sair. Olhando para a porta do banheiro e em seguida para o relógio, em um ritmo quase cíclico, ela teve a sensação de que a hora não passava; os dois minutos que haviam se passado, desde que o homem havia entrado no banheiro, pareciam ter demorado uma eternidade. Ela teve a impressão de que o tempo havia parado, impressão essa que era muito diferente a alguns momentos antes, quando estava distraída, observando atentamente um indivíduo específico, atitude essa que a desvencilhou do turbilhão de informações e impressões contidas no ambiente à sua volta; após essa constatação inicial, ela teve um insight poderoso; nele ela foi capaz de identificar o porquê de o tempo ser tão relativo em nosso dia-a-dia. “Em alguns momentos ele passa devagar, em outros ele voa, e todas essas nossas impressões sobre o tempo não passam de situações onde estamos muito distraídos com algo, a ponto de diminuirmos a quantidade de informação que absorvemos, ou situações onde não conseguimos nos distrair e ficamos olhando, sem um direcionamento, para tudo à nossa volta, absorvendo uma quantidade absurda de informação, característica essa que nos causará a impressão de que o tempo passou rápido, quando, na verdade, nossa mente simplesmente comparou a quantidade de informação absorvida e considerou, utilizando como referencia uma percepção menos turbulenta, que nos é mais comum, que um determinado período de tempo passou, analogia essa  que é completamente errônea; o tempo não passa devagar nesses momentos, nós simplesmente absorvemos mais informações do que o que consideramos normal. Sem um elemento que direcionasse a minha atenção e me fizesse ignorar a grande quantidade de impressões à minha volta, eu me deparei com vários acontecimentos que teriam passado despercebidos. Por causa da grande quantidade de informação, eu tinha a impressão de que o tempo havia passado, mas, quando olhava para o meu relógio, ele não havia passado, parecia estar estagnado.”

            Com o surgimento daquela nova linha de pensamento, ela se esforçou para elaborar uma interpretação banal para o homem que havia impressionado ela, desse modo tornando-se capaz de desconstruir tudo aquilo que sua mente começava a atribuir a ele. Não mais se concentrando em entender aquele homem, ela começou a se concentrar em desenvolver o seu insight sobre a impressão das pessoas com relação à percepção da passagem do tempo.

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