segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A consciência ampla

            A nuvem que é interpretada por Polônio, e que adquiri novas formas quando Hamlet externa suas impressões, talvez não tenha sido definida com diferentes formas apenas para que o príncipe da Dinamarca se sentisse satisfeito por possuir alguém que concordasse com suas suposições, talvez aquela nuvem pudesse ser interpretada de várias formas discrepantes entre si, atributo esse que permitiu que Polônio mudasse sua opinião, sinceramente, toda vez que Hamlet desenvolvia uma nova perspectiva sobre a nuvem.
            Tomando como base esse exemplo, podemos perceber o quanto nossas impressões variam, o quanto as coisas possuem interpretações múltiplas, plausíveis e lógicas. Essa característica intrínseca de tudo à nossa volta faz com que enxerguemos um novo arranjo das coisas, dependendo apenas da maneira como olhamos para essas coisas e a associação que fazemos daquilo que enxergamos.
            Essas nossas construções variáveis, e constantes, de conceitos e de cenários, faz com que nos portemos diferentemente perante situações similares, faz com que alteremos, por completo, nossas impressões e sentimentos.
            Um exemplo banal, que ilustra essa nossa característica profunda, é a concepção que se tinha de mulheres que usavam óculos. A princípio essa característica transmitia a ideia de deselegância, estupidez, fragilidade, sendo que, com o passar do tempo, com a alteração dos conceitos, essa mesma imagem passou a suscitar uma ideia de empreendedorismo, imponência, força; fazendo com que enxergássemos a mesma situação com uma concepção completamente diferente.
            Essa mudança de conceitos, que é frequente para aqueles que são muito racionais, evidencia o quanto a realidade que percebemos é virtual, assim como nos mostra o quanto são importantes e relevantes os conceitos pré-estabelecidos na nossa mente, sendo eles os responsáveis por nos situarem perante aquilo que percebemos. Só iremos ter sentimentos por aquilo que, de alguma forma, já está construído na nossa mente, por uma concepção previamente verificada e desenvolvida — sendo esse desenvolvimento, na maioria das vezes, inconsciente, situando-se nas profundezas do intelecto, sem que possamos percebê-lo conscientemente —; o novo nunca suscitará nada em nós, porque, por causa da presença de parâmetros que nunca observamos, não sabemos como nos portar perante esse novo cenário que encontramos.
            Com o desenvolvimento da nossa consciência, e com o aprimoramento das nossas interpretações, tornamo-nos capazes de enxergar as coisas sob as mais variadas perspectivas. Nesse caso, encontrarmos alguém que possua alguma coisa em comum conosco se torna uma tarefa simples, por causa da pluralidade conceitual que faz com que o ser consciente possua vários aspectos, várias interpretações das coisas.
            A ampliação do raciocínio destrói os sentimentos, sendo eles apenas reações nervosas, que têm relação com concepções exageradas, que não possuem relação com a realidade. Assim como os sentimentos, o amor também é abolido, após passar por uma análise estritamente racional.
            Dotados de uma frieza e de uma indiferença sem limites, os seres possuidores de uma consciência vasta são acusados, pelas pessoas comuns, como sendo falastrões, por não possuírem uma paixão irracional quando expressam suas opiniões e desejos. As mesmas pessoas comuns afirmam que os seres cheios de consciência são insensíveis, quando, na verdade, eles são incrivelmente sensíveis, ultrassensíveis.

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