quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O conceito de angústia

            Desde que a ideia de que aquilo enxergamos, que percebemos, não passa de um reflexo da realidade tornou-se um conceito preponderante em nossas análises, percebemos uma mudança drástica no modo como enxergamos as coisas, como interpretamos nossos conceitos e como consideramos conceitos alheios aos nossos. A relatividade de cada interpretação, de cada forma de perceber, tornou-se parâmetro essencial para que analisemos, com precisão, determinadas atitudes e definições.
            A imagem virtual do mundo, sendo ela particular e única, nos situa em meio às coisas, perante os acontecimentos.
            É tarefa do gênio enxergar mais do que as pessoas comuns, se esforçar e aprofundar seu pensamento, em um nível que um ser comum nunca será capaz de alcançar ou compreender. Essa empreitada perigosíssima é necessária para que a proposição que mais se aproxima do verdadeiro funcionamento da mente, que engloba e relaciona tudo aquilo que percebemos, seja descoberta, dessa forma, e apenas assim, nos permitindo controlar os nossos pensamentos e reações.
            Kierkegaard pode ser considerado como um desses gênios desbravadores, destemidos, que mergulharam em seus conceitos virtuais, explorando regiões inóspitas da existência, para que, com isso, pudesse nos fornecer elaborações importantíssimas.
            Ele foi categórico ao salientar o quanto nossas mais variadas possibilidades mais nos incomodam do que nos beneficiam; ele também soube desenvolver muito bem o estado de queda, de desespero, perante as condições que percebemos e que incitam a criação de um cenário virtual desesperador.
            Entretanto, mesmo com toda a sua percepção incomum, Kierkegaard parece não alcançar a ultraprofundidade encontrada em outros pensadores, e é por isso que grande parte de seus conceitos devem ser transportados, realocados, mesclados a proposições mais profundas, complexas e modernas, desse modo estabelecendo uma visão inovadora sobre o funcionamento do intelecto.
            Nietzsche talvez seja um dos pensadores mais profundos que já existiu; quando seus conceitos são mesclados aos de Kierkegaard, encontramos uma combinação quase que perfeita, que supre a doutrina religiosa que tanto obstruiu o pensamento do filósofo dinamarquês.
            Uma das proposições mais ousadas de Nietzsche foi sua vontade de potência, que, mesmo pertencendo ao mais moderno dos filósofos, repousa sobre a metafísica. No entanto, quando a vontade de potência é adaptada para uma concepção ainda mais relativa, subjetiva e inerente apenas aos seres vivos, aí então obtemos aquela que parece ser a mais coerente das proposições.
            Aplicando uma forma readaptada e mais moderna da vontade de potência às proposições de Kierkegaard, obtemos uma teoria extremamente coerente, que aprece ser capaz de abarcar todas as nossas sensações, desse modo fazendo com que nos tornemos capazes de mensurar corretamente e alterar os nossos conteúdos que antes nos eram ininteligíveis.
            Com o auxílio da vontade de potência podemos elaborar uma resolução para o motivo da queda, que permanecia misterioso para Kierkegaard, que foi incapaz de arriscar um motivo referente a isso.
            Primeiramente, é preciso que salientemos o quanto as nossas possibilidades nos oprimem, o quanto elas são nocivas e desesperadoras. Em nossa mente, onde os parâmetros são desenvolvidos em um ambiente particular, relativo, e os conceitos são estruturados e definidos sem que esses possuam uma relação exata com a realidade das coisas, costumamos definir nossas possibilidades de forma exagerada. Os cenários exagerados nos influenciam, por mais que existam apenas na nossa mente, esses parâmetros são absurdamente influentes em nossas decisões e estados de espírito.
            Essa característica do nosso intelecto é absurdamente opressiva quando o indivíduo possui múltiplas possibilidades, quando ele possui interpretações variadas e discrepantes entre si.
            É até mesmo engraçado ouvirmos os tão comuns pseudointelectuais falando sobre aumentarmos as nossas possibilidades. Suas interpretações, como sempre, são completamente equivocadas. Sem um espírito vasto, sem conceitos múltiplos, os pseudointelectuais apenas repetem conceitos, sem serem capazes de compreendê-los.
            Aqueles que possuem um espírito vasto, que enxergam as coisas com perspectivas discrepantes entre si, são os únicos capazes de explicar com precisão o efeito que o aumento das possibilidades causa em nós.
            O desespero sufocante e aterrador, é com isso que os seres cheios de espírito devem se acostumar, a princípio.
            Detentores de possibilidades variadas, os seres cheios de espírito permanecem tranquilos, serenos, até que uma de suas possibilidades seja definida como sendo a direção para onde o indivíduo deve seguir. Quando o intelecto do indivíduo começa a se restringir em função de uma possibilidade em particular, todas as outras possibilidades se tornam opressivas, aterrorizando o indivíduo até que esse se sinta desesperado.
            Com a definição de uma das possibilidades, aquilo que imaginávamos que essa possibilidade nos proporcionaria acaba por se perder em meio à realidade, proporcionando-nos resultados muito menores do que aqueles que esperávamos. Ao mesmo tempo que nos frustramos com a nossa decisão, todas as nossas outras possibilidades — que permanecem intactas na nossa mente, ainda apresentando os aspectos mais incríveis e satisfatórios, que só existem nas profundezas do intelecto — nos atormentam sobremaneira, fazendo com que nos sintamos ainda mais frustrados com a decisão que restringe as outras possibilidades, que passaram a ser ainda mais importantes para nós, ainda mais essenciais.
            Funcionando como um ideal opressivo, que torna a realidade insuportável, nossas mais variadas possibilidades fazem com que nos amedrontemos com os aspectos que a realidade passa a nos apresentar.
            A decisão, que anteriormente nos parecia ser tão correta, agora apenas nos oprime, nos aterroriza. Esse aspecto negativo penetra na nossa mente, adquirindo proporções ainda mais desesperadoras. Nosso espírito se torna um cenário completamente desolador, fazendo com que sintamos uma dor profunda, como que se o mundo estivesse desmoronando.
            O desespero impele o indivíduo a abandonar a decisão anteriormente definida, fazendo com que as possibilidades opressivas voltem a se tornar possíveis, dessa forma deixando de causar dor.
            Retornando à condição anterior de ausência de definições, o espírito volta a apresentar um cenário satisfatório, fazendo com que a alma se torne mais potente, mais ampla, característica essa que a aproxima das dimensões do espírito, fazendo com que o indivíduo se sinta satisfeito.

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